Quanto menos comes, bebes, compras livros e vais ao teatro, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, mais economizas e mais cresce o teu capital. És menos, mas tens mais. Assim todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça. Karl Marx.

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terça-feira, 21 de julho de 2009

Tem duas coisas nessa vida que já fiz e que são muito, mas muito..hummm, estranhas?bizarras?curiosas? Sei lá, mas lembrei delas hoje: Já tomei chá de fita e já fiquei perdida em Moscou. Vamos ao primeiro ponto, chá de fita?hehehehe, sim era esse o nome de um dos alucinógenos de pobre dos anos 80. Não é fita de cabelo, fita inaugural, fita de jogo, é fita cassete mesmo. Sei lá quem teve a brilhante lembrança da 1ª vez, mas alguém lançou na mesa algumas fitas cassetes e suplicou: - toca na panela e faz um chá! hahaha. Cara, chá de fita. Essa nem o velho Bukowski faria, há que se ter o mínimo de elegância, mesmo na chinelagem. Não lembro se deu algum barato, mas lembro do caldo horroroso que ficou e das fitas todas destruídas..Lembro tmb que pensei muito nas minhas fitas e que jamais faria aquilo, nem por uma viagem às galáxias..Ah, sim, na década de 80 gravávamos muitas fitas. Grosso modo, as cassetes eram os mps de hoje.
Quanto à Moscou é um pouco mais complicado..O Brasil recém entrava em sua fase democrática, quando alguns grupos de esquerda - que ainda acreditavam nas armas e na formação de jovens para seus quadros, lançou um convite para alguns. Como mocinha esperta, bonitinha e novinha, "os quadros" do partido acharam que eu poderia render uma versátil militante. Buenas, munida de documentos falsos, com a ilusão de que na Rússia a população tmb falava espanhol - afinal eram hermanos de Cuba- e cheia de "cursinhos de formação" na cabeça, entrei no avião. Nossa ida pra lá era 'clandestina', e eu comecei a passar mal daqui do Brasil. Pra encurtar a história, ao chegar lá vomitava até os ossos. Ao ver a cena, o nosso homem em Moscou me mandou prum hospital russo, que vou poupá-los de descrever. O espanhol que entendiam era a palavra Fidel, e isso se falasse bemm devagar. A única palavra que eu aprendi na marra era wuadja- assim se pronunciava, que queria dizer água. Fiquei 3 dias lá sem uma visitinha sequer e sem nenhum de meus parentes saber que eu estava em outro Hemisfério. Foi alí que comecei a desacreditar da solidariedade da esquerda..Melhorei um pouco me colocaram noutro avião e me despacharam pra casa. Vi Moscou da janela do hospital e do avião. E a militância começou a ficar com gosto de chá de fita.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Ele vai chegar. Ele vai chegar! Os pensamentos vinham aos pulos, acompanhando as batidas do coração. A melhor parte de seu dia eram esses passos que chegavam abafados pelo tapete espesso. Era sempre aquela expectativa. Aquele amargor na boca, o suor nas mãos. Naquele dia vestia um conjunto novo, mais recatado do que da última vez. Achava que combinava mais com o homem que viria naquela tarde. Eram sempre homens que conhecia ao acaso. Na farmácia, na academia, no mercado. Ali podia entregar-se. Era seu momento. Seu canto para o prazer. O que sentia nessas tardes a fazia lembrar das antigas aulas de literatura quando leu um conto da Lispector chamado Felicidade clandestina. Agora, 30 anos depois, podia entender o que era essa felicidade. Era um sentimento de indivisível, de algo que era só seu. Depois dos passos ,veio ele. Cheio de sede, tomou-me de cheio, sem tempo para que sequer esboçasse alguma reação. As delícias que proporcionavam essas lânguidas tardes era o que preeenchiam sua vida de mulher de sociedade elegante e que sabia receber, de mãe perfeita e esposa extremada. Eram três horas que tinha somente para si. Aproveitava cada minuto. Desde a hora que frequentava lojas de lingeries e sex-shops, até o momento fatídico dos passos abafados. Cada um ensinava a sentir-se como mulher de um jeito. Tocavam-na de maneiras diversas, abrindo muitas possibilidades de prazer. Ao final, restava tomar uma ducha, colocar sua lingerie de mulher casada e séria e rumar para casa, onde teria que dar as últimas ordens para que os empregados deixassem a casa impecável para a chegada do marido. Até a simetria da toalha devia estar perfeita. O marido era muito detalhista e após os filhos terem partido, as coisas se agravaram. Mas não podia reclamar, afinal ainda tinha suas tardes. Sua felicidade clandestina.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Tenho uma amiga muito sacana. E que, as vezes, me leva para suas sacanagens. Ela tem uma bela vida - não é rica, mas como o pai é diplomata, morou em vários lugares do mundo até estabelecer-se aqui na cidade. Volta e meia, ela recepciona alguns amigos estrangeiros quando eles aportam por aqui. Numa dessas ela me liga e solta: - vamos ao restaurante X esta noite? Preciso encontrar um russo e um italiano que conheci em Estocolmo. Como boa amiga que sou, aceitei na hora. O restaurante era o da moda, o do momento. Essa minha amiga gosta muito do que é in, gosta de aparências como ninguém. Deve ser por isso que está sempre impecável, lindíssima. Cheguei no horário marcado. Costumo ser pontual. Claro que ela não. Sentei-me ao balcão e 15 minutos depois senti uma lufada de vento e de perfume caro subir-me às narinas. É ela que entra escoltada por dois belos exemplares masculinos. Os dois altos, um castanho, outro meio arruivado. Ambos muito másculos. Após as apresentações corriqueiras nos sentamos na mesa reservada por ela. Noto que minha amiga está "diferente" hoje. Parece mais elétrica e mexe-se como um polvo. Não pára. Chega a ser enervante. Falamos em inglês, que eu, muito a contragosto falo - até entendo por que o francês foi substituído pelo inglês como língua "universal", mas nunca vou aceitar. A amiga convida-me para ir ao banheiro. Coisinhas de mulheres, sussura ela aos convivas antes de pegar meu braço e me arrastar. Quando fechamos a porta pergunto o pq de tanta agitação e ela revela que está tomando um medicamento milagroso para não ter apetite. Eu, que tenho pavor dessa ditadura da estética da magreza, revolto-me. Ela me garante que é "seguro" e que é apenas uma "ajudinha" para não acumular o que mais odeia- quilinhos a mais. Tenho pavor a essas futilidades, mas gosto tanto dela que relevo. Voltamos à mesa e o restante da noite foi recheada por disputas dela como o russo para ver quem entornava mais vodka- não é difícil imaginar quem ganhou..Lá pelas tantas a mistura dos medicamentos com o destilado começou a dar sinais de grandes problemas. Dessa vez foi eu que a arrastei ao banheiro. Minha amiga, sempre tão refinada, entre palavras desconexas vomitou tudo o que não comeu em uma semana. Lavou o chão e sua roupa de grife. Tentei fazer o que pude, mas seu estado era deplorável. Quando caminhamos de volta à mesa, os rapazes não disfarçaram o olhar de repulsa ao reconhecerem os restos de salada ainda pendurados em seu vestido. Fiz o que pude mas sobrou um pouco da prova do crime. O encontro estava encerrado. Chamei um táxi e levei minha amiga para casa. Ela não era a dama de sempre, falava palavrões, me xingava e xingava tanto o taxista que achei que ele iria nos largar ali mesmo. Em casa, com toda delicadeza tirei sua roupa e a coloquei na banheira. Ela ficou toda encolhida e pediu para que eu entrasse também. Me despi e quando entrei ela se aninhou em meus braços. Não sei se foi o álcool ou nossa vontade reprimida, só sei que nunca havia pensado em minha amiga daquele jeito. Nunca mais fomos as mesmas. Mas afinal, quem é o mesmo dia após o outro?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cresci cercado de mulheres. Todos os tipos. Todos os cheiros. Lembro dos brilhos, das plumas e da movimentação na casa à noite. A vida era noturna, até hoje durmo pouco - herança daqueles dias. Observava aqueles braços, pernas, bocas e cabeleiras, pelas frestas das portas. De manhã, bem cedinho, tinha que rumar para a escola ainda sonolento, pela noite mal dormida. Aliás, depois que comecei a frequentar a escola decaiu muito minha instrução, já não tinha mais tanto tempo para ler o que realmente me interessava. Álgebra, geometria, ciências,...Não tinha paciência para as disciplinas formais. A casa cheirava feito o mercado árabe da cidade-um misto de cheiros doces, uma mistura exótica. Cada uma das mulheres me ensinou muito. Muitas eram analfabetas e a muito custo ensinei-as a ler, usava como incentivo os romances de capa/espada que tinha na casa. As histórias de mocinhas indefesas e virgens que eram salvas do vilão, incentivava-as a querer aprender. Minha tia, a dona do casarão e de seus corpos, achava tudo uma grande bobagem e sempre que podia sentenciava:-Pra que puta tem que saber ler e escrever?O que importa é estar com "tudo" limpinho e agradarem aos olhos. Mas eu, não por querer ser bom samaritano ou o que o valha, queria é que elas pudessem ler. Não consigo conceber um mundo em que tenha gente sem conhecimento de prosa e poesia. É um desperdício. Claro que além de várias iniciações que tive com essas mulheres: a primeira meia de seda, o primeiro sutiã, a primeira cintura desnuda eu também tive minha primeira noite. Todas foram muito generosas e me disputaram bastante, algumas mais incisivas outras mais elegantes, mas no final escolhi uma menina mais nova que havia chegado na casa a pouco, foi a única que não me disputou com palavras, mas com os olhos. Hoje escrevo histórias para viver. Histórias dos outros, a minha ainda segue somente comigo. Esse é apenas um pequeno trecho, uma degustação.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O rosto dele era um mapa geográfico. Mapa físico, cheio de ranhuras. Não era velho - era marcado, lanhado. Quando o vi pela primeira vez senti certa repulsa. Nunca o vi bebendo água, a isso atribuí sua secura. Acordava bebendo qualquer líquido que contivesse álcool. Nunca água. Com nossa convivência fui me acostumando e esse fato tornou-se natural. Habituamo-nos com tudo, ou quase tudo. A casa ficava numa colina, na verdade num declive que chamávamos colina. O aluguel era em conta, podíamos pagar com o que descolávamos nas ruas dando pequenos golpes. À noite o trânsito de pessoas era incontável, acordávamos sempre com gente estranha espalhada pela casa. Nossa vida era levada em meio a bruma da fumaça e dos vestígios de diálogos. Não lembro de grandes conversas. Lembro de grandes olhares, de sensações. As palavras não eram nosso forte. Foi assim até o fim. Sou um sujeito de poucas palavras e ele também o era. Não sei quando nos apaixonamos por ela. Creio que foi no mesmo dia que nos desapaixonamos por nós mesmos. Ela era fatal e deliciosa. Quando a preparávamos, no início, era tão prazeiroso que posso sentir seu gosto ainda hoje. Quando ela nos dominou já não tinha tanta graça assim. Acabou com ele caído ao chão, o arpão no braço e o último papelote dela em cima da estante. Nunca mais senti seu toque.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Estávamos na auto-estrada voando num carro que devia ter uns 30 anos de uso. Mas era classudo, um rabo de peixe que em seus dias de glória fizera bonita figura. Eu não ia ao volante. Nunca dirigi. Nunca gostei. Resquícios da forçação de meu pai, um cara que sonhou a metade da vida com um possante que nunca pode pagar. Meu velho é um camarada que nasceu numa dessas cidadezinhas minúsculas do Hemisfério Norte. Quando eu mal tocava nos pedais de um carro ele já me colocava na direção. Pobre diabo, eu nunca quis dirigir. Meus homens sempre o fizeram por mim. Mas nesse dia, corríamos feito loucos pela pista, sem medo nem frescuras. O cara do volante bebia doses em cada gole, eu fumava meu baseado tranquilamente tentando ver a paisagem que passava como em flashes. Concretamente, éramos um bando de desocupados sem culpa de sê-lo. Víviamos com recursos de pensões, pecúlios, etc,.. sem maiores preocupações em ter que garantir o sustento. O que ganhávamos dava pra pagar a bebida, o baseado e meter o pé na estrada. Parávamos somente para comer ou vomitar - incrível como a qualidade da bebida decaiu nesses últimos anos. Passávamos desapercebidos pelas cidades maiores, mas nas pequenas, praticamente éramos atrações de circo. Viajávamos em seis, transávamos entre nós, e com quem nos agradasse pelo caminho. Nunca nos aborrecíamos uns com os outros - havia uma espécie de pacto silencioso de não nos atentarmos com coisas que a maior parte das pessoas se aborreceria: pés sujos, migalhas pelo carro, baganas, falta de banho, bebidas derrubadas,..Não deixávamos que nada nos indispusesse uns com os outros. Você deve estar se perguntando:- Pô ,quem vive assim tão desencanado? Conviver é sinônimo de treta..Mas conosco não. O único pacto implícito era o de que quando começassem os atritos o grupo se separaria. O que ocorreu 13 meses e 21 dias após o início de tudo. Foi num final de tarde alaranjado, cada qual com seu copo na mão..

segunda-feira, 15 de junho de 2009


A praia tinha o mar aberto sem qualquer acidente geográfico, dessas que não podemos olhar por muito tempo com o risco de cair na melancolia. Estava a tostar meu corpo com disciplina, virando a cada 15 minutos - quem pensa que voltar da praia com um bronzeado perfeito é fácil, não conhece essa arte. Estava nessa, quando o perfeito macho latino esticou sua toalha perto de onde eu estava. Ele era muito alto, também tinha um bronzeado disciplinado, o peito era peludo-um bom macho latino tem sempre o peito peludo, os olhos profundos e negros. Eu, usando o livro como escudo, observava o latino peludo entre as páginas. Claro que ele tinha que pavonear-se quando me viu. Levantou, espreguiço-se e tirou seu calção, ficando somente com uma sunga que mais insinuava que escondia. Depois de fazer muito barulho e macaquices para que eu olhasse, ele veio em minha direção: - vamos jogar frescobol? Levantei-me lentamente dando tempo para ele olhar meu corpo milimétricamente. Jogamos bastante até ele me convidar para mergulharmos. Que peludo latino saliente...Me convidava para ir cada vez mais ao fundo. Como era mais alto chegou uma hora que não dava mais pé para mim, estratégia dele para segurar-me dentro d'água. Hummm, a saliência estava dentro de sua sunga. Nos roçamos bastante, ele passou as mãos feito uma enguia por todo meu corpo, quando achei que era tempo de ir nadei rapidamente em direção à praia. Meu latino ficou frustrado mas não tinha o que fazer. Na praia tentou saber se eu estava hospedada ali mesmo, se podia dar o telefone e essas perguntas que os homens fazem para poder dar continuidade ao "encontro". Somente peguei minhas coisas e segui para meu hotel. Chegando lá encontrei meu marido sentado no bar, com um sorriso largo e lindo, típico de um homem de negócios em lua-de-mel com sua deliciosa esposa. Estávamos casados há dois dias. - Divertiu-se na praia querida? - Muito. E selei minha resposta com um beijo cheio de promessas.

domingo, 14 de junho de 2009


Certa vez me apaixonei saindo do trabalho. Como era misterioso o meu amor. Como era sexy o meu amor. Como era moreno e alto o meu amor. Como era desconhecido o meu amor. Trabalhava em frente a uma praça bastante antiga, com aquelas luminárias do XIX, bancos trabalhados e alguns heróis de bronze branindo espadas em cima de seus cavalos. Venho de uma terra de "bravatas e heróis", travadas em nome da "República". E era nessa praça que via, todos os dias, o objeto de meu desejo. O trabalho era muito chato e passava boa parte do expediente pensando nos cinemas, bares e teatros que nós frequentávamos. Imaginava o nosso "namoro" tão vivo e intenso que as vezes ao sair e vê-lo sentado na praça, tinha ímpetos de ir lá acarinhar seu cabelo negro. Teve uma vez que devo ter passado umas 4 horas do plantão que tinha que fazer, às moscas, imaginando nosso namoro, noivado, casamento, filhos e nossas maravilhosas férias, sempre quentes e nada monótonas. Digo com propriedade, podemos viver uma vida em horas, com filhos e tudo mais. Quando achei que já estava ultrapassando os limites da sanidade, resolvi sair dos sonhos e passar mais tempo na tal praça do meu amor. Sentava sempre estratégicamente posicionada, nem tão perto que desse bandeira, nem tão longe que não desse pra ele me ver. O problema é que ele nunca me via. Na verdade ele não via nada, nunca olhava pros lados, sempre fixo em um dos seus grossos livros, sempre. Mesmo quando estava mais quente usava um casaco comprido, que dava a ele um ar vampiresco e misterioso, sempre. Tinha um nariz na proporção exata para seu rosto forte e moreno. A cor da pele era uma coisa a parte de tão linda, era de um moreno acobreado. Só o via do mesmo ângulo, curvado e meio à egípcia, sobre o tal livro grosso, sempre. Como era maravilhoso meu amor, e como eram lindos nossos filhos, como era bom nosso casamento, que homem perfeito. Resolvi adotar uma estratégia para que ele me notasse, passei em uma livraria e comprei o livro mais grosso que vi: O ser e o nada do Sartre. Como sempre, saí do trabalho e me posicionei perto do meu amor. Abri lentamente o livro, fazendo com que o título ficasse visível a ele, afinal meu amor era um amante das letras, eu tinha que mostrar que era uma mulher de bom gosto literário. Minhas pernas bambearam quando vi ele, pela primeira vez, erguer a cabeça em minha direção. Não acreditava, ELE me notara, via que tentava observar o que eu estava lendo, facilitei dando uma levantadinha no livro. De repente ele ergueu-se e caminhou em minha direção. Toda "nossa" vida passou como um flash por minha mente, na verdade "nossa" vida era um flash. Ainda de perna bamba, esperei ele se postar na minha frente, mais alto que um Tótem. O sol refletia em seu rosto e era difícil vê-lo com perfeição. Então aconteceu, ele perguntou: - gostas de Sartre? Nesse momento sua cabeça cobriu o sol e revelou uma boca negra: - ele não tinha dentes. Respondi de pronto: - e lá te interessa se gosto do Sartre?

sábado, 13 de junho de 2009

É luxo só


O relóginho em forma de peixe, que sua irmã dera no Natal, despertava todos os dias às 6 da manhã. A primeira refeição se resumia a pão dormido com manteiga e café fraco-sonhava com os luxos de uma mesa com frutas e presunto. A mulher levantava com ele pra começar a lida do dia. Ele não era desses, como seus colegas da fábrica, que achavam que a mulher ficava em casa à toa. Cuidar dos filhos e da casa não era bolinho, ele lembrava bem do dia que teve que dar conta sozinho de tudo, ficou morto quando deitou à noite. E olha que foi só um diazinho. Enquanto ia mordiscando o pão, a mulher, já pesada depois do 4º filho, arrastava as chinelas pela cozinha, preparando a marmita com as sobras do jantar da noite anterior. Ele não tinha muitos sonhos e luxos, mas pensava nas propagandas que via, dos maridos chegando na cozinha pela manhã abraçando aquela mulher magra, com os cabelos sedosos, esticando os beiços num beijo gostoso. O marido sentava numa mesa colorida de tantas frutas, com duas crianças saudáveis e comportadas- pq as crianças dos ricos eram saudáveis e comportadas?E pq tinham poucas crianças?O café da manhã da propaganda era gostoso, ele nem lembrava a última vez que abraçou e beijou a mulher, isso era coisa do passado. Não tinham tempo pra esses luxos.


Tu é puta ou é santa me perguntou ela. Aquilo ecoou na minha cabeça dias e continua agora, firme, forte e em espirais. Ela tinha um jeito duro e lento de falar, penetrava na gente. Contava , sem traços de auto-piedade, dos abortos que fez em lugares fétidos, das surras e curras que levou- a violação a uma puta é sempre demonstração gratuita de um ódio a liberdade, porque se tens acesso ao corpo não precisas tomá-lo à força. E no meio disso tudo:-tu é puta ou santa? E eu que sei?Ela parecia saber que mulheres como eu buscam desesperadamente serem livres no que diz respeito ao sexo. Vocês não querem machos dominadores, mas querem conforto pra levar a vida. Não querem dar satisfação mas querem viagem pra Europa, querem ter liberdade mas com uma jóia no dedo. A mulher era dura e lenta.Liberdade ou segurança?Puta ou santa?Me disse que tinha medo de drogas e bebida. Depois de 5 overdoses e de um princípio de cirrose ficou ressabiada, mas nada que allterasse sua vida.Tem marcas e cicatrizes pela delimitação territorialista de sua área de trabalho, principalmente com as travecas. Tem que ser forte - bater mesmo senão as vecas levam o ponto, não gosto delas. Depois me conta que uma de suas melhores confidentes é uma..Perto das suas experiências, todas minhas dúvidas e experiências eram por demais infantis, burguesas e até saudáveis.Sair com um homem transar enlouquecidamente com ele e ficar triste pq ele não liga no dia seguinte é ser puta? Não, puta é bem mais livre que isso. A pergunta dela puta/santa, me fez pensar que mulher mediana acredita na balela:sou bem sucedida, tenho o corpinho em dia agora só falta o machinho adequado pra babar em mim. Essa mulher que diz querer curtir sua vida sem amarras e tabus, mas não suporta que o homem não ligue ou não diga que ela é maravilhosa, nada mais é do que a Amélia com grana no bolso. A puta é muito mais livre e honesta do que a média/mediana que dá pro seu parceiro pq se acomodou e diz -não tá lá essas coisas mas tá bom assim, pq pelo menos tenho alguém..Ela disse que me reconheceu de imediato como puta, mesmo de óculos, livro na mão e pagando minha própria bebida. A pergunta puta/santa foi pra sacanear e completou de saída -eu sou puta, tu é só uma ameaça, um arremedo.