Conheci ele em uma parada de ônibus aqui do DF. Quem conhece o sistema público de transportes daqui sabe que podemos contar duas vidas enquanto esperamos o coletivo...
Ele falava sozinho, descobri depois que foram os anos de cadeia que deixaram esse vício. Começou me olhando de soslaio e sem perceber eu já estava conversando com ele. Contou a vida todinha, a vinda do Maranhão, a miséria que viveu e as dificuldades aqui no DF: - só queria trabalhar honestamente...No meio disso: - Na cadeia não tem inocente. Se entramos inocentes, saímos bandido.
O caso dele foi ter caído por roubar pequenos objetos em lojas, super-mercados,..um dia pegaram. Disse que não gostava de contar as coisas ruins de um presídio: - pra isso já tem o jornal e o Rap. Gostava de contar as coisas que fizeram com que ele ainda tivesse vontade de viver..
Nunca tinha lido um livro até entrar na prisão, disse que a biblioteca foi uma das suas salvações. Os livros eram surrados e em número mínimo, até que tiveram a ideia de escrever para alguns lugares pedindo doações.
Não só livros chegaram, como discos e uma vitrola. Ouviu música clássica e se encantou. Ouviu MPB e gostou bastante. Mas o que fez ele sonhar e suspirar nos 7 anos que passou lá foram aqueles negros dos EUA que cantavam com a alma. Contou que isso mudou a vida dele. A música modificou a vida dele, mais que os livros..
Contou mais muitas histórias, sempre com um pique de alegria, não foi baixo astral. Incrível, o brasileiro realmente é antes de tudo um bravo, um forte.
O ônibus dele chegou antes do meu, ele agradeceu a prosa, esticou a mão num aperto firme e eu desejei sorte.