O rosto dele era um mapa geográfico. Mapa físico, cheio de ranhuras. Não era velho - era marcado, lanhado. Quando o vi pela primeira vez senti certa repulsa. Nunca o vi bebendo água, a isso atribuí sua secura. Acordava bebendo qualquer líquido que contivesse álcool. Nunca água. Com nossa convivência fui me acostumando e esse fato tornou-se natural. Habituamo-nos com tudo, ou quase tudo. A casa ficava numa colina, na verdade num declive que chamávamos colina. O aluguel era em conta, podíamos pagar com o que descolávamos nas ruas dando pequenos golpes. À noite o trânsito de pessoas era incontável, acordávamos sempre com gente estranha espalhada pela casa. Nossa vida era levada em meio a bruma da fumaça e dos vestígios de diálogos. Não lembro de grandes conversas. Lembro de grandes olhares, de sensações. As palavras não eram nosso forte. Foi assim até o fim. Sou um sujeito de poucas palavras e ele também o era. Não sei quando nos apaixonamos por ela. Creio que foi no mesmo dia que nos desapaixonamos por nós mesmos. Ela era fatal e deliciosa. Quando a preparávamos, no início, era tão prazeiroso que posso sentir seu gosto ainda hoje. Quando ela nos dominou já não tinha tanta graça assim. Acabou com ele caído ao chão, o arpão no braço e o último papelote dela em cima da estante. Nunca mais senti seu toque.
Mostrando postagens com marcador Repostagem. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Repostagem. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 8 de junho de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)